O TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu que a Receita Federal falhou ao proteger informações obtidas em processos de fiscalização contra agentes públicos e apontou fragilidades que permitiram o vazamento de dados sigilosos sob sua guarda. O entendimento é resultado de uma apuração aberta no ano passado pela corte de contas para verificar possíveis irregularidades na atuação do Fisco.
Na quarta-feira da semana passada, 12, os ministros do tribunal aprovaram o relatório de inspeção e levantaram o sigilo do caso. De acordo com o voto do relator, ministro Bruno Dantas, o fluxo de informações sigilosas a cargo da Receita “não se encontra devidamente guarnecido de proteção”.
Os técnicos identificaram problemas nos mecanismos do Fisco para rastrear o uso inapropriado de informações –vazamento, por exemplo– e a escolha dos contribuintes a terem a vida fiscal vasculhada. Procurada pela reportagem, a Receita informou que não comentaria o assunto.
O relatório do TCU disse também que há apuração em andamento para identificar os responsáveis pelo vazamento de informações sigilosas. Por entender que há problemas em dois processos administrativos disciplinares conduzidos pela Receita para apurar responsabilidades no caso, o tribunal recomendou à CGU (Controladoria-Geral da União) que avalie a possibilidade de avocá-los.
O processo foi aberto em 2019, a partir de uma representação do subprocurador-geral de contas, Lucas Furtado, na qual defendeu uma apuração sobre possível desvio de finalidade no trabalho de auditores encarregados de vasculhar a vida fiscal de agentes públicos.
A iniciativa de Furtado ocorreu após a coluna Radar, da revista Veja, revelar a existência de um procedimento para identificar supostos “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e sua mulher, Guiomar Mendes.
Mendes cobrou das autoridades a adoção de “providências urgentes” para apurar a iniciativa de auditores fiscais de investigar a ele e familiares sem “fato concreto”.
A Receita reconheceu que o ministro do STF foi alvo de apuração preliminar interna no órgão, mas rechaçou, em nota, “ilações de práticas de crimes” e disse que não havia procedimento formal de fiscalização sobre o magistrado.
No total, o trabalho do Fisco focava um grupo de 133 autoridades dos Três Poderes, cônjuges e dependentes. O caso foi judicializado. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a suspensão de apuração da Receita envolvendo os 133 contribuintes.
Mensagens de Telegram trocadas entre integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba ajudaram a elevar ainda mais a tensão em torno do assunto. Diálogos examinados pelo jornal Folha de S.Paulo em parceria com o site The Intercept Brasil mostraram que o coordenador do grupo, o procurador Deltan Dallagnol, recorreu à Receita para levantar dados sobre o escritório de advocacia da mulher do ministro, Roberta Rangel.
Em outubro passado, Marco Aurélio Canal, ex-supervisor nacional da equipe especial de programação da Lava Jato na Receita, foi preso sob suspeita de fazer parte de um grupo que pedia propina a investigados para evitar a aplicação de sanções tributárias.Segundo investigações do MPF (Ministério Público Federal), o nome do auditor foi identificado como destinatário dos documentos produzidos sobre as 133 autoridades.
O foco da auditoria do TCU foi a EPP Fraude (Equipe Especial de Programação de Combate a Fraudes Tributárias), grupo criado pela Receita para apurar possíveis irregularidades tributárias envolvendo agentes públicos e pessoas a eles ligadas.
Os pedidos de informação enviados à Receita pelo TCU motivaram declarações de protesto por parte do então secretário especial do órgão, Marcos Cintra.
“Estou surpreso com as suspeitas lançadas contra a RFB, instituição que sempre buscou lisura e impessoalidade em suas ações”, afirmou Cintra, em uma rede social. Concluído o trabalho dos técnicos, o ministro Bruno Dantas afirmou que o fluxo de dados fiscais apresentou “fragilidades que permitiram, no caso que motivou esta representação [do Ministério Público de Contas], que informações protegidas por sigilo fiscal fossem acessadas indevidamente por terceiros e divulgadas na imprensa”.
“Denota-se deficiência de controles internos a ausência de mecanismos para impedir que sigilos fossem ser retirados sem que houvesse revisão por pares diante de informações tão sensíveis”, observou o ministro em outro trecho de seu voto.
O TCU recomendou à Receita que documente de maneira detalhada e sistematizada os critérios, as pesquisas e os fluxos de informações para que todo o processo seja reproduzível e possibilite a criação de trilhas de auditoria.
É preciso também, apontou o tribunal, que a Receita registre as justificativas para a escolha de contribuintes “com interesse fiscal” ou “sem interesse fiscal”, de modo que se possa ter um caminho de auditoria e atender ao princípio da impessoalidade.
Em um prazo de 30 dias, contados a partir da notificação da decisão do tribunal, a Receita terá de informar ao TCU as providências adotadas para melhorar os procedimentos de supervisão dos atos praticados por autoridades tributárias.
Os gestores do órgão, segundo o acórdão do TCU, poderão ser responsabilizados em caso de atos irregulares praticados sem adequada revisão hierárquica.
Informação FolhaPress
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