domingo, dezembro 22, 2024
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Entenda em oito perguntas como a crise entre Rússia e Ucrânia se transformou em guerra

A crise entre Ucrânia e Rússia, que com a invasão russa deste dia 24 de fevereiro se tornou uma das mais graves em solo europeu nas últimas duas décadas, partiu de antigas divergências estratégicas entre Moscou e os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Conheça abaixo a origem da crise e as opções que os envolvidos têm agora.

Qual é a origem da crise?

A Rússia e a ex-república soviética da Ucrânia vivem uma relação turbulenta desde a primeira década deste século, com a alternância em Kiev de presidentes favoráveis ao Ocidente e aliados de Moscou. Em 2013, por pressão da Rússia, o governo ucraniano desistiu de um acordo que poderia pavimentar a entrada do país na União Europeia. Isso levou a uma revolta nas ruas e à queda de Viktor Yanukovich, alinhado ao Kremlin.

Os anos seguintes foram marcados pela anexação pela Rússia da Península da Crimeia, sede da frota russa no Mar Negro e que havia sido cedida à Ucrânia na era soviética; pelo conflito entre separatistas pró-Moscou e o Exército local no Leste ucraniano; e pela retomada da candidatura de Kiev a uma vaga na Otan. Sob críticas de Moscou, o país estreitou seus laços com a aliança, e Vladimir Putin apontou que a adesão seria uma “linha vermelha”. A Rússia também estava incomodada com as recentes aquisições de armas por Kiev, incluindo drones de ataque turcos, e com seu possível uso contra os separatistas no Leste do país.

Em novembro de 2021, percebendo uma oportunidade nas dificuldades enfrentadas pelo governo de Joe Biden e suas divergências com os aliados europeus sobre como lidar com Moscou, Putin concentrou mais de 100 mil soldados na fronteira da Ucrânia, soando alarmes em Kiev, em Washington e na Europa de que estaria prestes a uma invasão, finalmente concretizada neste final de fevereiro.

Onde estão as forças da Otan e da Rússia na crise da Ucrânia

O que a Rússia queria?

Entre as  “demandas de segurança”, apresentadas à Otan em dezembro, a Rússia exigia um veto permanente à entrada da Ucrânia na aliança, mas essa era apenas uma parte dos objetivos do país. Putin critica a expansão da organização rumo às fronteiras russas, que vem desde o fim da União Soviética em 1991, e cita uma promessa feita por líderes dos EUA e da Europa, nos anos 1990, de que o “limite” da Otan seria a Alemanha então recém-reunificada, algo que Washington nega.

Para Putin, as forças da Otan e dos EUA deveriam deixar os países do Leste europeu e suspender exercícios perto das fronteiras russas. Analistas veem nisso uma forma de a Rússia ver “oficializado” seu status de potência, com o reconhecimento de que as antigas repúblicas soviéticas na Europa são sua área de influência, mesmo sem considerar que muitas nações dessa região estão alinhadas ao Ocidente.

O que a Otan estava disposta a negociar?

Em sua resposta à Rússia, a Otan e os EUA deixaram claro que alguns pontos eram inegociáveis: o veto à entrada da Ucrânia, que significaria o rompimento da política de “portas abertas”; a retirada das forças do Leste europeu e, por fim, o status das armas nucleares localizadas em nações como a Alemanha e a Turquia.

A Rússia se declarou de forma veemente insatisfeita com as respostas do Ocidente, ao qual acusou de violar um pacto firmado em 1999 no âmbito de Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) no qual os países se comprometiam a  não “fortalecer sua segurança à custa da segurança de outros Estados”.

Contudo, analistas ainda viam um caminho para a redução das tensões: a negociação, e em alguns casos renegociação, de acordos de segurança coletiva, a começar por um novo tratado sobre as armas nucleares de alcance intermediário — o texto anterior, de 1987, foi rasgado por Donald Trump em 2019, assim como outros acordos do tipo.

Após várias reuniões entre Putin, o americano Joe Biden e líderes europeus como o francês Emmanuel Macron e o alemão Olaf Scholz, o diálogo foi interrompido em 21 de fevereiro, quando o Kremlin reconheceu a independência das autoproclamadas repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk, no Leste da Ucrânia, comandadas por líderes pró-Moscou.

Qual era o objetivo da mobilização de forças pela Otan?

Ao aumentar seu contingente no flanco oriental em reação à mobilização de tropas russas, a Otan pretendia passar uma imagem de união para Moscou, sinalizando que a pressão sobre os ucranianos não serviria para inibir sua presença na área.

Mas, apesar das boas relações com os EUA e o Ocidente, a Ucrânia não é parte da Otan, e não se beneficia do chamado Artigo 5º, que considera um ataque contra um dos membros como um ataque a todos.

Além disso, embora a Rússia seja considerada uma adversária pelo governo Biden, a Ucrânia não tem para Washington a importância estratégica que tem Taiwan, por exemplo, cujo autogoverno atual impede que a China controle o estreito vital que a separa da ilha.

Quais são as opções da Otan após a invasão?

É consenso entre os países da Otan que a invasão é o pior cenário: afinal, há pouca disposição para enviar tropas para lutar contra a Rússia, e um conflito assim terá consequências duras também para a aliança.

Por isso, a prioridade é a aplicação de sanções, o que já vem sendo feito desde 21 de fevereiro. As medidas visam dificultar a negociação de títulos soberanos russos nos mercados internacionais e também punem líderes políticos e autoridades do governo russo. Além disso, a Alemanha suspendeu o licenciamento do gasoduto Nord Stream 2, que forneceria gás russo à Europa através do Mar Báltico e foi concluído em setembro.

Em termos militares, a aliança poderá agora ampliar o envio de armas a Kiev e fomentar grupos armados de resistência.

Quais são as opções da Rússia agora?

A Rússia negava ter planos de uma invasão, mas analistas acreditam que, com a decisão de invadir, Putin optará por uma operação rápida, com ataques contra alvos estratégicos, com o objetivo de humilhar as forças ucranianas e mostrar que o Ocidente não é tão aliado assim. Um conflito longo, com muitas baixas, não é do interesse de Moscou, e poderia trazer abalos internos para Putin.

Ao mesmo tempo, Moscou tem cartas na manga: sanções econômicas do Ocidente podem ser respondidas com o corte no fornecimento de gás natural à Europa, ampliando a crise energética no continente — as reservas internacionais, de US$ 630 bilhões, também servem de colchão inicial às sanções.

O Kremlin intensificou seus laços com a China, que também enfrenta disputas com os EUA, e pode repetir um roteiro visto nos anos 1960, com um eventual (mas pouco provável) posicionamento de bases em Cuba e na Venezuela. Mas mesmo os mais belicosos falcões do Kremlin reconhecem que, embora as opções pareçam sugestivas, a guerra tem o potencial de desestabilizar a segurança internacional, com efeitos nocivos inclusive para a Rússia.

Há divisão na Europa?

O ponto central, especialmente para a Alemanha, é a energia. O país depende do gás importado da Rússia para atender sua demanda interna, assim como quase todos os 27 países da União Europeia.

Há também questões em torno do alinhamento a Washington. Um maior alinhamento é defendido por Reino Unido, hoje fora da União Europeia, e pelas nações do Leste europeu, que temem o expansionismo russo. Do outro lado, países como a França ressaltam a necessidade de autodeterminação e autonomia do bloco. O presidente Emmanuel Macron vinha tentando conduzir um diálogo diplomático entre Rússia e Ucrânia, para mostrar que a Europa conseguiria resolver suas próprias crises sem a participação americana.

Macron, no entanto, acabou fracassando. Ao reconhecer as repúblicas separatistas dentro da Ucrânia, Putin rasgou os Acordos de Minsk, mediados por França e Alemanha, para reduzir o conflito no Leste ucraniano. Macron via a retomada dos acordos como um meio de desanuviar as tensões, abrindo caminho para as discussões mais amplas desejadas pela Rússia.

Onde a Ucrânia entrava nas negociações?

As opções para a Ucrânia eram poucas e, em sua maioria, pouco atraentes. A entrada para a Otan, mesmo sem considerar a oposição de Moscou, é hoje improvável, resultado da pouca confiança nas autoridades em Kiev e do cenário estratégico regional. A promessa de fornecimento de armas se resume a equipamentos defensivos, e nem os EUA parecem dispostos a um envolvimento mais amplo. Enfrentar os russos no campo de batalha será difícil, dadas as diferenças entre os dois arsenais.

Por isso, um número crescente de analistas defende uma solução com precedentes históricos: a neutralidade da Ucrânia, seguindo os passos de países como a Finlândia.

Nesta semana, Putin disse que a desistência da Ucrânia em entrar na Otan e a adoção de um status de neutralidade pela ex-república soviética seria uma solução para a crise. A ideia, no entanto, enfrentava resistência em Kiev.

 

 

 

 

Conteúdo InforGlobo

Foto: Aris Messinis

 

 

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