Durante 12 dias de navegação, pesquisadores da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) realizaram a terceira expedição fluvial de um dos maiores programas de monitoramento ambiental em curso no mundo. Intitulada Iriru 3, a campanha percorreu mais de 1.700 quilômetros pelo rio Madeira, analisando 54 pontos ao longo da bacia para avaliar a qualidade da água, peixes e sedimentos. O trabalho integra o Programa de Monitoramento da Água, Ar e Solos do Estado do Amazonas (ProQAS/AM).
A missão científica é liderada pelo Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia (GP-QAT/UEA) e tem como foco mapear possíveis contaminações ambientais e subsidiar políticas públicas e ações de conservação. Entre os 164 parâmetros definidos pelo Conama que foram analisados, estão indicadores físico-químicos, microbiológicos e a presença de metais como o mercúrio e o metilmercúrio, cujas análises finais serão realizadas em parceria com a Harvard University, nos Estados Unidos.
“A robustez da infraestrutura laboratorial que desenvolvemos é inédita na região e nos permite monitorar o ecossistema com alta precisão”, afirma o coordenador do programa, Prof. Dr. Sergio Duvoisin Junior.
Diagnóstico da bacia do Madeira
As análises já revelam alterações químicas, físicas e biológicas importantes em diferentes trechos do rio, permitindo identificar áreas com maior vulnerabilidade ambiental e riscos à saúde das comunidades locais. As amostras foram coletadas em municípios estratégicos como Borba, Manicoré, Humaitá, Nova Olinda do Norte, Urucurituba e Novo Aripuanã.
Um dos principais alertas diz respeito à contaminação por mercúrio, associada diretamente ao garimpo ilegal na região. Em alguns pontos do rio, a presença de grandes agrupamentos de dragas, conhecidas como “fofocas”, tem gerado alta turbidez, agravando o assoreamento e a contaminação dos sedimentos e dos peixes consumidos pela população.
“Nosso trabalho é essencial para identificar padrões de contaminação e orientar ações preventivas que minimizem os impactos na saúde humana e no meio ambiente”, explica a engenheira ambiental Silvana Silva, doutoranda da UEA e responsável pela análise de metais pesados no projeto.
Infraestrutura flutuante e tecnologia de ponta
A bordo da embarcação-laboratório “Roberto dos Santos Vieira”, equipada com quatro laboratórios móveis, os pesquisadores realizaram análises em tempo real, incluindo coliformes, nitrogênio total, fósforo, metais, DBO e DQO, além de catalogar espécies como jaraqui, pacu, matrinxã, sardinha e traíra, fundamentais na dieta local.
O estudo também inclui o diálogo direto com moradores e pescadores para identificar as espécies mais consumidas e compreender melhor a relação entre o ambiente e os hábitos alimentares das comunidades ribeirinhas.
Relevância científica e internacionalização
A iniciativa tem apoio do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), Grupo Atem, Fapeam, CNPq e instituições internacionais. Para o reitor da UEA, Prof. Dr. André Zogahib, o ProQAS/AM reforça a capacidade da universidade em contribuir com o desenvolvimento sustentável e gerar dados estratégicos de referência internacional.
“Esse trabalho eleva a ciência na Amazônia e mostra que a pesquisa científica pode transformar realidades e orientar políticas públicas baseadas em evidências”, afirma o reitor.
O chefe da expedição, Dr. Adriano Nobre, destaca que o projeto não apenas coleta dados, mas também registra alterações ambientais de forma contínua, servindo como base técnica para o planejamento de ações governamentais e comunitárias.
Próximos passos
O GP-QAT/UEA já planeja quatro novas expedições para 2026, com foco ampliado no diálogo com comunidades, educação ambiental e cooperação técnica com órgãos públicos. O objetivo é consolidar o ProQAS/AM como um modelo de monitoramento ambiental permanente, que una ciência, sociedade e poder público em defesa da Amazônia viva e saudável.